quinta-feira, novembro 12, 2009



Para que um plano de aula?

Para quem quer desenvolver bem sua prática pedagógica, é muito importante ter bem claro tudo que se pretende fazer durante uma aula. Ter um plano detalhado que registre seus objetivos, a matéria que será trabalhada, o material utilizado, o que será feito e quanto tempo vai levar proporciona uma organização que pode ser a diferença entre uma aula bem sucedida ou não. Na prática, a falta dessa organização pode levar ao fracasso total.
Planos de aula de Português e Literatura
Os planos da área de Letras têm uma característica em comum que torna sua elaboração semelhante: eles costumam partir de um texto que o professor deseja trabalhar com a turma. A partir desse texto e dos temas que se desprendem dele, são buscados outros recursos — como músicas, vídeos ou imagens — a fim de tornar a proposta mais rica e atraente para os alunos. Para exemplificar, vou usar um plano de aula que fez parte do meu relatório de estágio. Nesse plano, o objetivo era estudar um gênero literário com os alunos, sem, contudo, recorrer à velha história de passar uma lista de regras referentes a um determinado gênero (por exemplo, dizer simplesmente que o conto é uma narrativa curta composta por introdução, desenvolvimento, clímax e desfecho).
Planejamento e seleção de material
Foi escolhido o gênero conto por ser um tipo de texto geralmente mais curto, leve e de rápida leitura — de nada adiantaria escolher um texto maravilhoso, porém gigante, que os alunos passariam a aula inteira lendo. Além disso, bons contos costumam prender o leitor logo no primeiro parágrafo, coisa extremamente importante para alunos do ensino médio que costumam ter uma imagem negativa da leitura como sendo “chata”. Escolhido o gênero e de autor que todo mundo gosta: Luis Fernando Veríssimo. O conto escolhido foi o divertidíssimo Grande Edgar, que está no livro Mentiras que os Homens Contam, o qual pode ser transformado em peça de teatro. O próximo passo é analisar que temas podem ser abordados a partir desse texto. Na interpretação, podem vir à tona assuntos como “como nos distanciamos de pessoas importantes ao longo da vida”, “como nos tornamos ‘apenas mais um’ aos olhos da sociedade”, “como nós mesmos não nos damos a devida importância”, etc. Com os temas de trabalho definidos, agora é possível pesquisar materiais alternativos (no sentido audiovisual da palavra) que possam enriquecer a aula. Um bom caminho é o caminho da música, que, por geralmente ter letras que podem ser trabalhadas como poemas, acabam diversificando os tipos de textos trabalhados, mas nada impedia que imagens e/ou vídeos fossem utilizados. A música escolhida foi Maior Abandonado, de Cazuza e Frejat (música): Com o material escolhido e definido, é hora de organizar tudo segundo aquela clássica estrutura acadêmica. Além disso, é preciso pensar em como desenvolver a aula a partir dessa base.
Escrevendo o plano de aula
Um plano de aula sempre começa traçando objetivos. Tais objetivos sempre devem começar por um verbo no infinitivo e, como regra geral, devem ter um “para que”, ou seja, a frase deve ser composta por duas sentenças. Assim:
Objetivo = Habilidade desenvolvida + qual a razão de desenvolver essa habilidade.
Um exemplo: Expressar suas ideias e opiniões de forma oral e escrita para aprimorar sua capacidade comunicativa.
Essa é uma regra geral pois alguns objetivos envolvem habilidades tão amplas que fica difícil (e até sem sentido) definirmos uma motivo para elas. Por exemplo:
Compreender e interpretar o texto e a música trabalhados.
Além disso, é importante lembrar que os objetivos de um plano de aula sempre referem-se às habilidades e competências que o aluno deverá desenvolver. Uma dica útil: ao elaborar seus objetivos tenha em mente a frase “Ao término da aula, o aluno deverá ser capaz de…”
· Identificar o gênero conto.
· Compreender e interpretar o texto e a música trabalhados.
· Comparar as duas formas de abandono/distanciamento as quais o texto e a música referem-se para dar-se conta de que o valor individual das pessoas está cada vez menor em meio à multidão.
Existe uma briga terminológica que não acaba mais entre os pedagogos, então alguns preferem que os objetivos específicos sejam chamados de projeção de finalidades, mas isso não muda a forma como devem ser escritos.
Em seguida, é hora de definir o cronograma dos trabalhos. Aqui, basicamente, você deve escrever, de forma resumida, tudo que vai fazer durante a aula e fazer uma estimativa de quanto tempo vai levar cada passo. O meu ficou assim (assumindo que a aula seria de dois períodos de 50 min. cada):
1.Apresentação da música Maior Abandonado, de Cazuza e Frejat (5 min.).
2.Compreensão e interpretação da música de forma oral, tentando levantar assuntos que se relacionem com o tema do abandono/distanciamento entre pessoas, tratado no conto que virá a seguir (20 min.).
3.Apresentação do conto Grande Edgar, assim como de seu autor, Luis Fernando Veríssimo (5 min.).
4.Leitura silenciosa do conto (10 min.).
5.Leitura expressiva do conto pelo professor (5 min.).
6.Compreensão e interpretação do conto de forma oral, destacando temas como “como nos distanciamos de pessoas importantes ao longo da vida”, “como nos tornamos ‘apenas mais um’ aos olhos da sociedade”, “como nós mesmos não nos damos a devida importância”, etc. (25 min.).
7.Análise do conto conforme as estruturas características do gênero (apresentação, complicação, clímax, desfecho) (15 min.).
8.Escrita de um pequeno texto que responda a pergunta “Quem é o “maior abandonado do título da música?” (15 min.).
Terminado o cronograma, é hora de escrever a lista de Tópicos do Conhecimento (ou, com o nome antigo, Conteúdo Programático). Basicamente é uma lista de temas e assuntos estudados durante a aula. Referem-se a fatos, conceitos e princípios, procedimentos, atitudes, etc.
· Leitura, análise e interpretação do conto Grande Edgar, de Luis Fernando Veríssimo.
· Leitura, análise e interpretação da música Maior Abandonado, de Cazuza e Frejat.
· Gênero conto.
· Gênero letra de música.
Logo após, vem a parte mais trabalhosa do plano, que são as Formas de Mediação (ou Procedimentos, ou Operacionalização, ou qualquer outro nome que inventarem). Aqui devem ser detalhados todos os passos listados no cronograma. Escreve-se sobre ações, processos ou comportamentos que serão propostos pelo professor durante a aula, sempre baseando-se nos objetivos previstos.
A aula pode ser separada em 3 momentos:
Primeiro Momento
Composta pela apresentação da música e por sua compreensão e interpretação. Algumas questões orais deverão guiar a discussão, tais como:
· O que é um “maior abandonado”, citado no título da música?
· Por que a música diz que “raspas e restos me interessam” (linhas 8 e 9), “mentiras sinceras me interessam” (linha 11)?
· O que são “mentiras sinceras”?
· Quem é o “tu” ao qual a música se refere?
· A que se refere a passagem “pequenas porções de ilusão” (linha 10)?
· Que tipo de proteção o “maior abandonado” deseja?
Segundo Momento
Apresentação do conto Grande Edgar, do livro de onde ele foi retirado, As mentiras que os homens contam, e do autor Luis Fernando Veríssimo. A obra pode passar de aluno em aluno para que seja manuseada e vista mais de perto. Caso houver exemplares na biblioteca, é importante que isso seja informado aos alunos.
Após é feita a leitura silenciosa pelos alunos e em seguida a leitura expressiva pelo professor. A compreensão e interpretação é feita de forma oral, guiada por questões como:
· Já lhe aconteceu situações parecidas com a do conto? De que forma? Você esqueceu de alguém, ou alguém esqueceu quem você era?
· Por que nos esquecemos tão facilmente dos outros?
· Por que confundimos estranhos com pessoas conhecidas?
· Por que o personagem “naturalmente” escolhe o caminho “menos racional e recomendável, que leva à tragédia e à ruína”?
· Será que nós ou as outras pessoas são tão pouco importantes a ponto de sermos esquecidos? Será que nós nos damos a devida importância?
Terminada a discussão, é feita a entrega de um resumo teórico sobre o gênero conto, com um pouco sobre sua história, principais autores e características estruturais. O professor faz, junto com a turma, a análise do conto Grande Edgar conforme aquelas características (apresentação, complicação, clímax, desfecho).
Terceiro Momento
Feita a análise do gênero, faz-se a avaliação, que consiste na elaboração de um pequeno texto que responda questões como “Quem é o “maior abandonado do título da música?”, “Você conhece maiores abandonados como aquele do qual a música fala?”, “O que fazer para não virarmos maiores abandonados?”
E com isso o plano de aula está praticamente feito. Faltam algumas coisinhas como os Recursos que serão utilizados, que são aqueles meios materiais ou humanos que fogem ao padrão de uma aula “comum”, ou seja, ninguém vai colocar que vai usar giz e quadro negro, mas aparelho de som, retroprojetor e outras coisas específicas, sim:
· Aparelho de som
Finalmente chegamos ao item Avaliação, que, nas concepções mais recentes, costuma ser definida como um “processo contínuo e global com função de diagnosticar, acompanhar e avaliar” (daqueles textos sem referência bibliográfica que alguns professores distribuem na universidade). O importante é o seguinte: avaliação não é só prova. A minha, para essa aula, ficou assim:
Levará em conta a participação do aluno nas discussões e também o texto elaborado em aula, cujo tema permite que seja observado o entendimento do aluno perante os conteúdos apresentados.
E para terminar, obviamente, as Referências Bibliográficas do material utilizado na aula:
CAZUZA e FREJAT. Maior abandonado. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2009.
GIARDELLI, Mempo. Assim se escreve um conto. Trad. De Charles Kiefer. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994.
JÚNIOR, R. Magalhães. A arte do conto: sua história, seus gêneros, sua técnica, seus mestres. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1972.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 1997.
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Grande Egar. In:__ As mentiras que os homens contam. São Paulo: Objetiva, 2000.
Modelo de Plano de Aula
Postarei um plano de aula completo, o qual eu espero que possa servir de modelo para os professores de primeira viagem ou mesmo para aqueles mais antigos que gostam de ficar por dentro do que está sendo discutido na modernidade. É bom deixar claro que essa não é a única forma possível de se fazer um plano; cada professor pode fazer pequenas modificações conforme achar mais interessante ou conforme as regras da sua escola.


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